Rodrigo Soldon / Wikimedia Commons
O
jornalista e pesquisador Dawid Danilo Bartelt considera Copacabana um
resumo do Rio de Janeiro, e o Rio, um resumo do Brasil. No livro Copacabana – Biographie eines Sehnsuchtsortes (Copacabana – Biografia de um Lugar do Desejo,
em tradução livre), recém-lançado na Alemanha, o autor conta as origens
de uma das praias mais famosas do mundo e traça também um instantâneo
de um pedaço de areia que, segundo ele, resume o estilo de vida
brasileiro. Um trecho da costa carioca onde classes e raças se misturam,
seja torrando a barriga ao sol, jogando futevôlei e mesmo trabalhando
pesado, na venda de mate gelado e picolé.
Diretor
do escritório da Fundação Heinrich Böll no Rio de Janeiro, o alemão
contesta, entretanto, a tese, muito difundida, de que na orla ocorreria,
na prática, a chamada "democracia racial" brasileira. "Essa igualdade,
na verdade, não existe. O fato de haver um acesso igual para todos não
leva necessariamente à igualdade. As desigualdades não somem quando
entramos na praia", conclui. Bartelt argumenta que o tal mito da
democracia racial praiana só serve para "ofuscar as desigualdades ainda
obscenas que existem no Brasil".
DW Brasil: O
senhor escreveu um livro tanto contando o passado de Copacabana, quanto
mostrando o que a praia e o bairro são hoje em dia e como vivem seus
habitantes. Qual o fascínio que aquele trecho de orla exerce no
imaginário alemão e europeu?
Dawid Danilo Bartelt: Copacabana,
no âmbito cultural ocidental, provoca uma associação no mundo inteiro,
tanto nos Estados Unidos, como na Alemanha e Europa em geral, com praia,
calor, trópicos e erotismo. Cito no meu livro um guia turístico que
afirma que sobre o Brasil flutua uma nuvem pesada de erotismo, calor,
aventura e música. Essa é uma mistura de clichês, mas também os clichês
trazem muita verdade. Isso tem muito a ver com a Copacabana que está no
imaginário alemão.
Há quem diga que a praia é um lugar onde a tal democracia racial brasileira se realiza. O senhor rebate essa ideia
Na
Europa, nós conhecemos praias em que é necessário pagar para
frequentar. Os brasileiros se escandalizam com isso, com essa
organização classista de praia, onde praticamente só rico entra. Isso
não existe nessa forma no Brasil. E os brasileiros se orgulham desse
acesso generalizado à praia. Mas essa generalidade não corresponde ao
princípio da igualdade, no ponto de vista social. Aliás, o acesso é
igual para todos, mas nem tanto. Quando o então governador Leonel
Brizola finalmente inaugurou linhas de ônibus ligando a Zona Norte às
praias da Zona Sul, houve protestos.
A
igualdade, de fato, não existe. As desigualdades não somem quando
entramos na praia. Dizer que há uma democracia racial na praia só serve
para ofuscar as desigualdades ainda obscenas que existem no Brasil.
Ofusca os conflitos sociais que existem e podem ser vistos de forma
clara na praia, onde muitos estão a lazer, enquanto outros trabalham.
Muitos
alemães não entendem um lugar onde o arrojado biquíni fio dental é algo
normal, enquanto o topless é proibido. A relação com o corpo dos
frequentadores da praia também é um aspecto do seu livro?
Cada
sociedade tem suas morais duplas. Um capítulo que escrevi sobre esta
questão aborda a cultura do corpo e o culto ao corpo. Copacabana é um
dos palcos principais disso no Brasil. Mas Copacabana também tem sido um
lugar onde se inventaram vários esportes, como o frescobol, o jogo de
peteca.
Um
antropólogo francês disse, um dia, que na França a roupa serve para
modelar e camuflar. No Brasil, o corpo é que veste a pessoa. A roupa
acentua as formas corporais. Chamo esse princípio de "menos dois": as
mulheres vestem sempre roupa dois números abaixo do seu tamanho. Como
nem todos conseguem manter a forma ideal, alguns acentuam ainda mais
seus defeitos, mostram as barrigas de forma absurda. E isso é
proposital, os homens valorizam isso, não fica uma coisa ridícula. Faz
parte do jogo erótico.
Quanto
ao fio dental, me lembro que quando minha cunhada brasileira, do Rio,
veio me visitar em Berlim, nos anos 90, ficou escandalizada com as
pessoas que faziam nudismo e quis ir embora do lugar onde estávamos. Já
nós, alemães, nos escandalizamos quando vemos o fio dental. Parece que
não tem calcinha.
É
uma moral dupla. Com o fio dental, a mulher está nuamente vestida. No
Brasil, se a mulher tem o mamilo coberto já está vestida, embora esteja
nua. Mas totalmente nua, não pode. Já com o fio dental, a bunda está
nua, mas a mulher não está nua, está ainda vestida. Isso é uma coisa
específica do brasileiro, que temos que aceitar.
O senhor diz acreditar que o futuro de Copacabana está no morro. Como é isso?
Talvez
esteja exagerando um pouco. Mas turisticamente, socialmente não há mais
um potencial de mudança no asfalto. A estrutura social do bairro não
vai mudar, os velhinhos continuam em seus apartamentos pequenos, a
classe média baixa também. Os ricos foram embora e não vão mais voltar. O
dinamismo potencial vem agora das favelas. Elas ainda não passaram a
ser um lugar de cidadania efetiva – embora sejam um território especial
agora, com o evento das chamadas UPPs, que já são um avanço, uma
mudança.
As
favelas entraram apenas agora no imaginário do bairro. Durante mais de
cem anos, elas não faziam parte de Copacabana. Eram espaços brancos nos
mapas oficiais do bairro. As autoridades se queixaram, por exemplo, que
elas receberam atenção demais quando foram registradas pelo Googlemaps.