segunda-feira, 6 de maio de 2013

Tucano mineiro é acusado de tráfico de órgãos. Leandro Fortes, em CartaCapital

A dor de Paulo Pavesi

Por Leandro Fortes, em CartaCapital 

Sozinho, escondido em Londres, na Inglaterra, depois de ter conseguido asilo humanitário na Itália, em 2008, o analista de sistemas Paulo Pavesi se transformou no exército de um só homem contra a impunidade dos médicos-monstros que, em 2000, assassinaram seu filho para lhe retirar os rins, o fígado e as córneas.
Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 anos de idade, caiu de um brinquedo no prédio onde morava, e foi levado para a Irmandade Santa Casa de Poços de Caldas, no sul de Minas, onde foi atendido pelo médico Alvaro Inhaez que, como se descobriu mais tarde, era o chefe de uma central clandestina de retirada de órgãos humanos disfarçada de ONG, a MG Sul Transplantes. Paulinho foi sedado e teve os órgãos retirados quando ainda estava vivo, no melhor estilo do médico nazista Josef Mengele.

Na edição desta semana de CartaCapital, publiquei uma reportagem sobre o envolvimento do deputado estadual Carlos Mosconi (PSDB) com a chamada “Máfia dos Transplantes” da Irmandade Santa Casa de Poços de Caldas.
Mosconi, eleito no início do ano, pela quarta vez consecutiva, presidente da Comissão de Saúde (!) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi assessor especial do senador Aécio Neves (PSDB-MG), quando este era governador do estado. Aécio o nomeou, em 2003, presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMG), à qual a MG Sul Transplantes, idealizada por Mosconi e outros quatro médicos ligados á máfia dos transplantes, era subordinada.

As poucas notícias que são veiculadas sobre o caso, à exceção da matéria de minha autoria publicada esta semana, jamais citam o nome de Carlos Mosconi. Em Minas Gerais, como se sabe, a imprensa é controlada pela mão de ferro do PSDB. Nada se noticia de ruim sobre os tucanos, nem quando se trata de assassinato a sangue frio de uma criança de 10 anos que teve as córneas arrancadas quando ainda vivia para que fossem vendidas, no mercado negro, por 1,2 mil reais. Nada.

Esse silêncio, aliado à leniência da polícia e do judiciário mineiro, é fonte permanente da dor de Paulo Pavesi. Mas Pavesi não se cala. De seu exílio inglês, ele nos lembra, todos os dias, que somos uma sociedade arcaica e perversa ao ponto de proteger assassinos por questões políticas paroquiais.
Como sempre, a velha mídia nacional, sem falar na amordaçada mídia mineira, não deu repercussão alguma à CartaCapital, como se isso tivesse alguma importância nesses tempos de blogosfera e redes sociais.
Pela internet, o Brasil e o mundo foram apresentados ao juiz Narciso Alvarenga de Castro, da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas. Em de 19 de fevereiro desse ano, ele condenou quatro médicos-monstros envolvidos na máfia: João Alberto Brandão, Celso Scafi, Cláudio Fernandes e Alexandre Zincone. Eles foram condenados pela morte de um trabalhador rural, João Domingos de Carvalho.
Internado por sete dias na enfermaria da Santa Casa, entre 11 e 17 de abril de 2001, Carvalho, assim como Paulinho, foi dado como morto quando estava sedado e teve os rins, as córneas e o fígado retirados por Cláudio Fernandes e Celso Scafi. Outros sete casos semelhantes foram levantados pela Polícia Federal na Santa Casa.

Todos os condenados são ligados à MG Sul Transplantes. Scafi, além de tudo, era sócio de Mosconi em uma clínica de Poços de Caldas, base eleitoral do deputado. A quadrilha realizava os transplantes na Santa Casa, o que garantia, além do dinheiro tomado dos beneficiários da lista, recursos do SUS para o hospital. O delegado Célio Jacinto, responsável pelas investigações da PF, revelou a existência de uma carta do parlamentar na qual ele solicita ao amigo Ianhez o fornecimento de um rim para atender ao pedido do prefeito de Campanha (MG). A carta, disse o delegado, foi apreendida entre os documentos de Ianhez, mas desapareceu misteriosamente do inquérito sob custódia do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.
Ontem, veio o troco.

A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) suspendeu as audiências que aconteceriam de hoje, 17 de abril, até sexta-feira, 19 de abril, para se iniciar, finalmente, o julgamento do caso de Paulinho. Neste processo, estão sendo julgados, novamente, Cláudio Fernandes e Celso Scafi, além de outros acusado, Sérgio Poli Gaspar.

De acordo com a assessoria do TJMG, o cancelamento se deu por conta de uma medida de “exceção de suspeição” contra o juiz Narciso de Castro impetrada pelo escritório Kalil e Horta Advogados, que defende Fernandes e Scafi. A defesa da dupla, já condenada a penas de 8 a 11 anos de cadeia, argumenta que o juiz teria perdido a “necessária isenção e imparcialidade” para apreciar o Caso Pavesi.

Ou seja, querem trocar o juiz, justo agora que o nome do deputado Carlos Mosconi veio à tona.

Eu, sinceramente, ainda espero que haja juízes – e jornalistas – em Minas Gerais para denunciar esse acinte à humanidade de Paulo Pavesi que, no fim das contas, é a humanidade de todos nós.


Tucano é acusado de tráfico de órgãos
publicado em 13 de abril de 2013 às 19:47

Pela quarta vez consecutiva, Carlos Mosconi é presidente da Comissão de Saúde do Parlamento de Minas Gerais

por Leandro Fortes, em CartaCapital, sugestão de Julio Cesar Macedo Amorim

Enquanto o Congresso Nacional é submetido a um constrangimento diário desde a eleição do deputado Marcos Feliciano (PSC-SP), pastor evangélico de discurso homofóbico e racista, para o comando da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, um caso semelhante na forma, mas muito mais grave no conteúdo, permanece escondido na Assembléia Legislativa de Minas Gerais.

Em 1˚ de fevereiro, o tucano Carlos Mosconi assumiu pela quarta vez consecutiva a presidência da Comissão de Saúde do Parlamento mineiro.

Médico de formação, Mosconi é idealizador da MG Sul Transplantes, ONG que servia de central clandestina de receptação e distribuição de órgãos humanos em Poços de Caldas, no sul do estado. Segundo uma investigação da Polícia Federal, Mosconi chegou a encomendar um rim para o amigo de um prefeito da cidade mineira de Campanha.

Em 19 de fevereiro, o juiz Narciso Alvarenga de Castro, da 1a Vara Criminal de Poços de Caldas, condenou quatro médicos envolvidos no esquema de compra e venda de órgãos humanos, a chamada “Máfia dos Transplantes”.

João Alberto Brandão, Celso Scafi, Cláudio Fernandes e Alexandre Zincone, todos da Irmandade Santa Casa, eram ligados à MG Sul Transplantes. Scafi era sócio de Mosconi em uma clínica da cidade. A ONG era responsável pela organização de uma lista de pacientes particulares que encomendavam e pagavam por órgãos retirados de pacientes ainda vivos. A quadrilha realizava os transplantes na Santa Casa, o que garantia, além do dinheiro tomado dos beneficiários da lista, recursos do SUS para o hospital.

A máfia de médicos de Poços de Caldas foi descoberta em 2002 por causa do chamado “Caso Pavesi”, que chegou a ser investigado na Câmara dos Deputados pela CPI do Tráfico de Órgãos Humanos, em 2004. Em 19 de abril de 2000, Paulo Veronesi Pavesi, 10 anos de idade à época, caiu de um brinquedo no prédio onde morava e foi levado à Santa Casa. O menino foi atendido pelo médico Alvaro Ianhez, coordenador do setor de transplantes do hospital e, soube-se depois, chefe da central clandestina de tráfico de órgãos. Ianhez é amigo particular do deputado Mosconi, responsável por sua nomeação no hospital.

A partir de uma denúncia do analista de sistemas Paulo Pavesi, pai do garoto, a PF abriu um inquérito e descobriu que a equipe de Ianhez havia decretado a morte encefálica de Paulo quando ele estava sob efeito de substâncias depressivas do sistema nervoso central.

Ou seja, teve os rins, o fígado e as córneas retirados quando provavelmente ainda estava vivo. Pavesi pai foi obrigado a pedir asilo na Itália, depois de ser ameaçado de morte por diversas vezes em Minas Gerais. Atualmente, mora em Londres, onde aguarda até hoje o julgamento do caso do filho.
Outros oito casos semelhantes foram descobertos pela PF e pelo Ministério Público Federal durante as investigações.

Um deles, o do trabalhador rural João Domingos de Carvalho, foi o que resultou nas condenações de fevereiro passado. Internado por sete dias na enfermaria da Santa Casa, entre 11 e 17 de abril de 2001, Carvalho foi dado como morto quando estava sentado e teve os rins, as córneas e o fígado retirados pelos médicos Fernandes e Scafi.

“Era pura ganância, vontade de enriquecimento rápido, sem se preocupar com o sofrimento dos demais seres humanos”, escreveu o juiz Nasciso de Castro na sentença que condenou os médicos da Santa Casa a penas de 8 a 11 anos de prisão, em primeira instância. Todos continuarão em liberdade até o julgamento dos recursos.
Pavesi não se amendrontou à toa. Em 24 de abril de 2002, Carlos Henrique Marcondes, administrador da Santa Casa, foi assassinado no dia exato de seu depoimento no Ministério Público sobre a atuação da máfia dos transplantes lotada no hospital. Ele tinha gravado todas as conversas com os médicos envolvidos no tráfico de órgãos e pretendia entregar as fitas às autoridades.

Antes de falar, Marcondes foi encontrado morto no próprio carro com um tiro na boca. Segundo um delegado da Polícia Civil da cidade, o ex-PM Juarez Vinhas, tratou-se de suicídio. O caso foi sumariamente arquivado. O laudo pericial constatou, porém, que três tiros haviam sido disparados contra Marcondes, embora apenas um o tenha atingido.

Mais ainda: a arma usada e colocada na mão da vítima desapareceu no fórum de Poços de Caldas, razão pela qual foi impossível periciá-la. Levado à Santa Casa, o corpo do administrador foi recebido por dois médicos do hospital. Um deles, João Alberto Brandão, foi condenado em fevereiro. O outro, Félix Gamarra, chegou a ser indiciado, mas acabou beneficiado pela lei de prescrição penal, por ter mais de 70 anos de idade.
A dupla raspou e enfaixou a mão direita de Marcondes, supostamente usada para apertar o gatilho, de modo a invibializar o exame de digitais e presença de resíduos de pólvora. E o advogado da Santa Casa, o também ex-PM Sérgio Roberto Lopes, providenciou a lavagem do carro.

O nome de Mosconi apareceu na trama em 2004, durante a CPI do Tráfico de Órgãos. Convocado pela comissão, o delegado Célio Jacinto, responsável pelas investigações da Polícia Federal, revelou a existência de uma carta do parlamentar na qual ele solicita ao amigo Ianhez o fronecimento de um rim para atender ao pedido do prefeito de Campanha, por 8 mil reais. A carta, disse o delegado, foi apreendida entre os documentos de Ianhez, mas desapareceu misteriosamente do inquérito sob custódia do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.
Mosconi foi ouvido pelo juiz Narciso de Castro e confirmou conhecer Ianhez desde os anos 1970. O parlamentar disse “não se recordar” da existência de uma lista de receptores de órgãos da Santa Casa, da qual chegou a ser presidente do Conselho Curador por um período.

Sobre a MG Sul Transplantes, que fundou e difundiu, afirmou apenas “ter ouvido falar” de sua existência. Declaração no mínimo estranha. O registro de criação da MG Sul Transplantes, em 1991, está publicado em um artigo no Jornal Brasileiro de Transplantes (volume 1, número 4), do qual os autores são o próprio Mosconi, além de Ianhez, Fernandes, Brandão, e Scafi, todos investigados ou réus de processos sobre a máfia de transplantes de Poços de Caldas.

Procurada por CartaCapital, a assessoria de imprensa de Carlos Mosconi ficou de marcar uma entrevista com o deputado. Até o fechamento desta edição, o parlamentar não atendeu ao pedido da revista.