quarta-feira, 29 de junho de 2016

Meritocracia da corrupção de Aécio Neves

Mais uma delação e nada de uma condução para prestar depoimento. 
Desconfio que a exportação de nióbio, controlada pelo Oswaldinho, garanta a blindagem do Aécio. O nióbio é um metal usado em ligas que suportam altas temperaturas, Araxá produz 90% de todo o nióbio mundial e Oswaldinho foi quem ganhou a mina. Para se ter uma ideia da importância do nióbio no mundo, se MG parar de exportar por um mês a produção destas ligas no mundo pára. 

Fidélis Alcântara

Meritocracia da corrupção de Aécio Neves
Penta citado em delações no âmbito da Operação Lava Jato, o senador tucano, ex-candidato à presidência da república, pode ver a sua situação política degringolar de vez. Um dos sócios e ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, irá denunciar esquema de superfaturamento na construção da Cidade Administrativa, complexo feito para 20 mil funcionários durante a administração de Aécio Neves no Governo de Minas.
Segundo o delator, houve pagamento de propina de 3% do valor da obra para Aécio, através do maleiro Oswaldo Borges da Costa Filho, o Oswaldinho. A obra foi orçada em 949 milhões e, no fim, saiu por 1,26 bilhão.
Oswaldinho, segundo aliados e adversários do tucano, atua como seu tesoureiro informal . Além disso, chefiou a CODEMIG (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), órgão responsável por ter feito a licitação das obras da Cidade Administrativa. Além disso, o amigo Oswaldinho possui uma coleção de carros antigos, dentre os quais um Rolls-Royce usado por Aécio. A família do suposto maleiro, possuidora de uma empresa de táxi-aéreo, já ofereceu serviços ao senador.
O fim de semana realmente não foi dos melhores para o sumido-senador que perdeu as últimas eleições e desde então resolveu incendiar o país com a proposta de golpe. Marcos Valério, operador do mensalão, ao que tudo indica, também irá fazer uma delação e explicitar as tentativas de Aécio de maquiar documentos do Banco Rural na CPI dos Correios, conforme apareceu na delação do senador cassado Delcídio do Amaral.
A meritocracia, a eficiência, a gestão moderna, o compromisso com o bem público, valores tão propalados por Aécio Neves nas últimas eleições, para ele devem ter significados opostos. A meritocracia para ele é colocar aliados em postos chaves. Eficiência deve ser para angariar recursos. Gestão moderna talvez apareça como a administração do patrimônio de parceiros.
Faltou o compromisso com o bem público. Nesse caso, Aécio Neves poderia ser sincero com o país e reconhecer quais são seus reais interesses. Isso, sim, seria um verdadeiro compromisso com o bem público.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Salário de juiz no Brasil é um dos mais altos do planeta

Salário de juiz e custo do Judiciário no Brasil são 10 vezes mais altos do que em países como Alemanha, Argentina, Espanha, Portugal, EUA e Chile. Confira a relação

O Poder Judiciário brasileiro, que está no centro da crise polícia e econômica do país, é um dois mais caros do mundo e também um com os maiores salários do mundo.
Para se ter uma ideia, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) o custo do Poder Judiciário no Brasil consome 10 vezes mais recursos do que países como Espanha, Argentina e Estados Unidos. Os salários no Brasil também são astronômicos. O juiz no Brasil chega a receber 10 vezes mais em relação aos juízes dos Estados Unidos, França e Portugal.
Além do consumo de recursos públicos ser um dos maiores do mundo, o judiciário brasileiro é um poço de contradições diante dos péssimos resultados para a população. É o que se vê na realidade e no diagnóstico do cientista político e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciano Da Ros, em entrevista ao jornal espanhol El País.
salário juiz federal brasileiro poder mundo
No diagnóstico do pesquisador e da própria população, o Brasil tem um Judiciário que consome uma enorme quantidade de recursos, é ineficiente, juízes julgam a revelia da legislação, recebem salários e recursos acima da lei (teto constitucional), é injusto porque prende sem julgar e não julga setores da elite, além de ser um poder moldado na Ditadura instalada após o golpe de 64.
Veja alguns dos trechos da entrevista:
‘Um dos efeitos desta enorme autonomia individual dos magistrados é que cada juiz decide da forma que entende e, desse modo, é impossível ter posições claras de como o Judiciário, institucionalmente, decide. A melhor forma de ilustrar isso é dizer que não existe um Poder Judiciário propriamente dito no Brasil, e sim 17.000 magistrados.
Quer dizer, toda a ideia do poder Judiciário é que haja independência exatamente para que os juízes tenham isenção de julgar sem que seus próprios interesses afetem o conteúdo da decisão. Para isso, é necessário um bom salário e garantias de que o magistrado não será exonerado ou removido de seu cargo. Contudo, isso não significa que, necessariamente, cada juiz pode decidir um caso da forma como ele sozinho acredita que deve ser decidido. Ele tem que obedecer a legislação, mas também tem que levar em conta as decisões anteriores que foram tomadas em casos idênticos.
No Brasil, como esses mecanismos de controle da jurisprudência são recentes e o grau de autonomia dos magistrados individuais é muito alto, ocorre de um juiz decidir de uma forma e, em uma vara vizinha, outro juiz decidir um caso idêntico de outra forma. Isso é terrível, porque toda a ideia de que precisamos da independência do juiz é para que ele possa aplicar a mesma lei aos mesmos casos, para que haja igualdade e não diferença.
Em 1990 eram cinco milhões de novos processos a cada ano, agora são 30 milhões. Para se ter uma ideia, hoje existe cerca de um processo em andamento para cada dois habitantes. Por fim, isso acaba produzindo uma carga de trabalho enorme e a consequência é o Judiciário mais caro do planeta. Enquanto os gastos de países como Espanha, EUA e Inglaterra ficam entre 0,12% e 0,14% do PIB, o do Brasil está na casa do 1,3%.
Veja, por exemplo, a desigualdade expressa na dificuldade em condenar definitivamente um político por corrupção, por um lado, e o fato de que hoje temos 200.000 presos sem julgamento no Brasil, por outro. Esse tipo de desigualdade de tratamento é extremamente danoso em um poder do Estado que deve primar pela igualdade de tratamento.
Salário juiz  início fim carreira maior mundo
Salário de juiz no início (vermelho) e no fim de carreira (azul)
A ditadura militar no Brasil operou, grosso modo, com essa arquitetura institucional do Poder Judiciário que está hoje aí, tanto que a LOMAN [Lei Orgânica da Magistratura Nacional] é de 1979. De igual forma, não houve grandes expurgos na magistratura durante a ditadura e basicamente essa máquina que existe agora, existia lá atrás. O nosso Judiciário, então, conviveu com a ditadura, mas conviveu em um sistema de acomodação.
O Judiciário foi em grande medida conivente com a ditadura e a ditadura foi conivente com abusos dentro do Poder Judiciário, permitindo remunerações enormes, nepotismo, sistemas de loteamento de cargos e um conjunto de práticas que herdamos e que estamos tentando resolver até hoje’. (Vejaentrevista integral no ElPaís)
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terça-feira, 21 de junho de 2016

Auditores fiscais relatam perdas com reforma administrativa

Profissionais da Receita criticam desvalorização da carreira e da Secretaria de Fazenda com tramitação do PL 3.503/16.

res fiscais da Receita Estadual denunciaram a desvalorização da carreira e da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) com a reforma administrativa do Poder Executivo, incorporada noProjeto de Lei (PL) 3.503/16 e proposições anexas. Representantes da categoria foram ouvidos em audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (20/6/16). Os autores do requerimento para a reunião foram os deputados Wander Borges (PSB), Fred Costa (PEN) e Dalmo Ribeiro Silva (PSDB) e a deputada Geisa Teixeira (PT).
A reforma administrativa, encaminhada pelo governador, é composta, originalmente, por 18 projetos de lei (posteriormente, cinco foram anexados), um projeto de lei complementar (PLC) e uma proposta de emenda à Constituição (PEC). O PL 3.503/16, que tramita na ALMG em regime de urgência, trata da estrutura orgânica da administração pública do Poder Executivo. O projeto contém as normas gerais e as diretrizes para a estruturação dos órgãos, autarquias e fundações.
O governo afirma que o objetivo é viabilizar o aumento da capacidade de adaptação do aparelho estatal para atender demandas captadas por meio dos diversos instrumentos de participação social previstos. A reestruturação administrativa inclui o desmembramento, a transformação e a extinção de cargos, de secretarias e outros órgãos públicos, além de alterações na subordinação de conselhos, na vinculação de entidades e na composição de colegiados e câmaras. Várias dessas mudanças estão previstas no PL 3.503/16 e detalhadas nos outros projetos que compõem a reforma administrativa.
O presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG), Lindolfo Fernandes de Castro, afirmou que o PL 3.503/16 traz perdas para a categoria e para a SEF. Segundo ele, o Governo do Estado está na “contramão” da realidade, ao promover o que chamou de desmonte da SEF e o enfraquecimento do fisco mineiro.
Sua principal crítica foi com relação à extinção de 633 cargos de auditores fiscais, prevista no texto do PL. “Cobramos um concurso público, mas, no lugar de promover a seleção, querem extinguir esses atuais cargos vagos”, criticou. De um quadro de 2.100 auditores, mais de 30% dos cargos encontram-se vagos. Com o fim desses cargos, o efetivo se reduzirá a 1.467. Desse total, aproximadamente 300 ocupam posições gerenciais ou de assessoria, 245 estão lotados na Região Metropolitana de Belo Horizonte, restando 922 auditores fiscais para cobrir os municípios do Estado.
O último concurso público foi realizado há 11 anos. Para Lindolfo de Castro, a explicação do governo para a extinção dos cargos vagos é que a tecnologia usada atualmente permitiria reduzir o trabalho de fiscalização. “Esse argumento não se sustenta”, disse, referindo-se à importância do profissional no combate à sonegação e, por consequência, no aumento da receita do Estado. “Além disso, do ponto de vista de redução de gasto público, essa extinção é inócua”, acrescentou.
Texto original muda poder de polícia de auditores fiscais
Outra crítica feita pelo presidente do Sindifisco-MG é com relação à mudança no poder de polícia atribuído à categoria. Ele explicou que, pela reforma, esse poder passaria a ser autorizado por decreto, e não mais pela Lei Delegada 180, de 2011, como ocorre atualmente. “Isso deixaria a decisão nas mãos do governador”, ponderou. A Lei Delegada 180 dispõe sobre a Estrutura Orgânica da Administração Pública do Poder Executivo do Estado.
Para Lindolfo de Castro, no geral, apenas “dois ou três avanços” foram obtidos com o projeto de lei, com relação a atribuições da SEF. “Contudo, é necessário que o governo esteja aberto ao diálogo”, acrescentou. Ele criticou, ainda, o sistema tributário brasileiro, que, segundo ele, penaliza os mais pobres, e também os benefícios fiscais, que serviriam apenas para “engrossar o lucro de grandes empresas”.
O advogado do Sindifisco-MG, Humberto de Carvalho, afirmou que a carreira do auditor fiscal “merece tratamento mais adequado”. Ele também criticou a extinção dos 633 cargos vagos. “São profissionais que cumprem função social, no combate à sonegação e à corrupção, de forma que o Estado amplie a prestação de serviços públicos à sociedade, com o aumento de sua receita”, pontuou.
O presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco – Brasília/DF), Manoel Isidro dos Santos Neto, disse haver “indignação” à reforma administrativa. “Com o fechamento de cargos de trabalho de auditores fiscais, vai diminuir a arrecadação do Estado e influenciar no combate efetivo à sonegação”, ressaltou. Ele acredita, ainda, que o fechamento de postos de trabalho vai “enfraquecer” a SEF.
Sindicato diz que substitutivo resolve parte das questões levantadas
O presidente do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinffazfisco), Unadir Gonçalves Júnior, afirmou que grande parte das queixas dos servidores foi esvaziada com o envio, na semana passada, do substitutivo ao projeto ao Projeto de Lei (PL) 3.503/16, em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Segundo Unadir Gonçalves, a principal alteração trazida com o novo texto é a reafirmação da Lei Delegada 180, de 2011, como responsável por orientar o poder de polícia dos auditores fiscais. “Permitir que essa competência fosse regida por decretos realmente não era boa solução jurídica. Traria insegurança para o sindicalismo”, frisou.
Sobre a diminuição dos cargos, ele disse que “não é uma medida necessária”, uma vez que prejudicaria o trabalho da SEF. Ele falou, porém, que a extinção prevista no projeto de cerca de 900 postos de trabalho para o cargo de Gestor Fazendário, que integra a estrutura da SEF, assim como o cargo de Auditor Fiscal, seria “mais prejudicial” que o fim dos atuais 633 cargos vagos de auditoria. Sua fala gerou reação no público presente na audiência. Na fase de debates, alguns participantes disseram que cada um deve lutar pela sua área, sem, no entanto, desmerecer a outra.
Outra mudança positiva trazida pelo substitutivo, segundo o presidente do Sinffazfisco, seria a manutenção da atual estrutura da Corregedoria da Secretaria de Estado da Fazenda. “Muito embora a autonomia da Corregedoria aconteça mais na teoria do que na prática, uma vez que sofre pressão interna e corporativista”, criticou.
Parlamentares reiteram compromisso com a categoria
Assim como o presidente do Sindifisco-MG, os deputados Fred Costa e Dalmo Ribeiro Silva lamentaram a ausência de um representante do Poder Executivo na reunião. Em nota enviada à comissão, o governo afirmou que não participaria do encontro, tendo em vista que há um substitutivo tramitando na CCJ, o que contemplaria demandas dos auditores fiscais.
O deputado Fred Costa apoiou as reivindicações da categoria e disse ser necessário aumentar número de profissionais, e não cortar as 633 vagas de auditores fiscais. “Se não houver o fiscal e os instrumentos para exercício de sua função, quem perde são todos os cidadãos”, destacou. O deputado Dalmo Ribeiro Silva, por sua vez, afirmou que a aprovação do projeto será um “retrocesso” para auditores e gestores fazendários.
Já o deputado Wander Borges (PSB) destacou o que chamou de “avanços” trazidos pelo substitutivo na CCJ. “Um deles é a competência de poder de polícia ter sua regulação mantida pela Lei Delegada 180, de 2011”, ressaltou. Ele também criticou a extinção dos 633 cargos vagos e manifestou apoio à categoria.

sábado, 18 de junho de 2016

Exclusivo: O blog Cafezinho entrevista Gilmar Mendes na Suécia!

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(Gilmar Mendes durante seminário em Estocolmo. Foto: Pedro Gomes, especial para o Cafezinho)
O blog O Cafezinho contratou o jornalista Wellington Calasans, radicado na Suécia há muitos anos, para acompanhar Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE, em evento realizado em Estocolmo, Suécia.
A presença de Gilmar, como tem ocorrido com todas as lideranças do golpe no Brasil, não recebeu divulgação nenhuma, nem no Brasil nem na Suécia, possivelmente com medo da realização de protestos contra o golpe.
Acostumado a ambientes blindados pela mídia brasileira, com repórteres da Globo lhe fazendo perguntas "bonitinhas", Mendes desta vez saiu da zona de conforto.
O evento, que era fechado, se chamava "A situação política do Brasil e as instituições" e realizou-se na Universidade de Estocolmo.
Durante o evento, Calasans pode fazer, em inglês, algumas perguntas incômodas a Gilmar Mendes, que o deixaram, segundo nosso repórter, bastante constrangido.
Calasans perguntou, por exemplo, porque Dilma estaria sendo derrubada por manobras orçamentárias rotineiras na administração pública, feita por quase todos os governadores e presidentes anteriores, e se isso não poderia provocar instabilidade no país, fragilizando a nossa democracia. Mendes respondeu (em péssimo inglês) que o processo contra Dilma era mais "político" que "jurídico", sem conseguir esconder a fragilidade jurídica das acusações contra a presidenta.
Terminado o evento, Calasans teve a oportunidade de fazer uma entrevista exclusiva, dessa vez em português, com o ministro, repetindo as perguntas que há havia feito em inglês.
Observe como Gilmar, na primeira pergunta, se enrola todo ao responder sobre os riscos sistêmicos à democracia provocados por um impeachment sem crime de responsabilidade. Afinal, se não é preciso apontar um crime, qualquer governador ou prefeito pode ser derrubado em caso de perda de apoio político parlamentar.
O golpe nos transformou - violando a Constituição - num regime parlamentarista!
A resposta de Gilmar é uma barbaridade, digna de figurar com destaque nos anais do golpe de Estado de 2016.
Ele diz que "o processo é político, se ela tivesse cometido crime, se ficasse flagrantemente provado, que ela tivesse cometido crime, e ela tivesse 172 votos, ela também não seria processada".
Ora, ora, ora!
A máscara dos golpistas está caindo na velocidade da luz.
Quer dizer que Dilma não cometeu crime e será derrubada?
E se ela "tivesse flagrantemente cometido crime", poderia não ser derrubada?
Eita, Brasil! Condena quem não cometeu crime, inocenta quem cometeu, tudo por conta de julgamentos políticos realizados por um parlamentos cheio de bandidos presidido por Cunha!
E o voto popular, que é o principal julgamento político da nossa democracia, não vale nada?
Gilmar esqueceu disso? Que Dilma ganhou, por duas vezes consecutivas, as eleições presidenciais?
O voto de um punhado de deputados enrolados com a justiça, liderados por uma figura como Eduardo Cunha, vale mais que o sufrágio universal de 140 milhões de eleitores?
Não, Gilmar não esqueceu, tanto que, como ministro do TSE responsável pelas contas da Dilma (e agora como presidente do TSE), mandou reabrir inquéritos contra a campanha dela várias vezes. As contas são aprovadas e Gilmar reabre a investigação, sempre tentando criar factoides políticos negativos para o governo, com objetivo de desestabilizá-lo e de criar atmosfera política mais propícia para o golpe tipo 1 (parlamentar, que está dando certo) ou tipo 2 (cassação eleitoral, que é o plano B dos golpistas). E agora Gilmar quer separar as contas de Dilma e Temer, obviamente para reprovar só a primeira, uma bizarrice que mereceu, inclusive, uma pergunta crítica de um professor sueco que participava do encontro, para grande constrangimento do ministro.
A bizarrice é tanta que Gilmar, já satisfeito com o relativo e temporário sucesso do golpe, puxou o freio do processo de investigação das contas de Dilma, postergando-o para o ano que vem.
É assim, ele acelera, atrasa, reabre, a análise das contas de Dilma a seu bel prazer.
Gilmar inaugura uma nova modalidade de chicana jurídica: a chicana de acusação, conduzida pelo próprio juiz!
Em seguida, Calasans perguntou porque Lula foi impedido de assumir o ministério, sob pretexto de que estaria tentando "fugir" da justiça comum, enquanto Michel Temer nomeou mais de sete ministros indiciados que também, ao assumirem o cargo, ganharam fóro privilegiado, e poderiam igualmente ser acusados de estarem "fugindo".
Mais uma vez, Mendes se embananou todo e disse que as situações eram completamente diferentes, sem conseguir apontar nenhuma diferença.
Por fim, Calasans perguntou a Mendes se ele considera que não há mais espaço para contestação ao impeachment junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como de praxe, Mendes julgou fora dos autos um processo que ainda pode ter de julgar no tribunal, o que é absolutamente anti-ético: ele respondeu que o STF já teria"exaurido" as questões em torno do impeachment.
Abaixo, a entrevista exclusiva com Gilmar Mendes, feita por Wellington Calasans, filmada por Pedro Gomes, especialmente para o Cafezinho.
Fonte: http://www.ocafezinho.com
Veja outras do Gilmar na Revista Época: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/02/pf-intercepta-ligacao-de-bgilmar-mendes-para-investigadob-no-stf.html

terça-feira, 14 de junho de 2016

Homens Invisíveis - Documentário sobre moradores de rua


Cinco moradores de rua morreram nos últimos dias em SP; tuberculose e rejeição a animais de estimação como fatores de rejeição a abrigos mostram limites do Estado
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
Há muito mais coisas entre os albergues e os moradores de rua que o senso comum possa imaginar. Uma das consequências concretas: as pessoas estão morrendo de frio. Em São Paulo, nos últimos dias, foram cinco. Notícia de hoje da Folha mostra que as regras nos albergues afugentam o povo de rua. Entre elas, proibição de casais. Outra, dificuldade para abrigar os animais de estimação.
Mas não só: há o medo da tuberculose. Nada menos que uma das principais causas de morte nos presídios, por exemplo. Todos esses fatores estão listados na reportagem. E mostra que a recusa dos moradores de rua em relação aos abrigos nada tem de capricho. Muito menos de suicida: há os que preferem andar à noite para se aquecer; e, portanto, dormir de dia.
Boa parte da sociedade que demoniza moradores de rua – ou que tenha em relação a eles profunda indiferença – é a mesma que idolatra seus animais de estimação. O que dirão essas senhoras-e-senhores-de-bem em relação a esse direito específico, o de que esses seres humanos possam conviver com seus cachorros? (Ou entre si. É pedir demais?)
Os moradores de rua dizem que são obrigados a sair dos albergues às 6 horas. É um dos fatores de rejeição. Imaginemos, então, que, nestes dias frios, tenhamos de acordar às 5 horas para voltar à rua (já que é disso que se trata, voltar). Só que nosso instrumento de trabalho, digamos uma carroça, não estará lá – muito menos o cachorro que nos acompanha. Uma rua nada engraçada. Sem teto e sem nada.
Existem motivos práticos, portanto, para que as pessoas se arrisquem a dormir na rua. E motivos subjetivos. Existenciais. Do medo de morrer de tuberculose (seja ele comprovável estatisticamente ou não) ao desejo de liberdade, temos uma rejeição a lugares supostamente públicos – os abrigos – que possuem regras draconianas, por um lado; e que não oferecem a sensação de segurança (em termos de saúde), por outro.
Ou seja, o puxadinho inventado pelo poder público para remendar a situação de rua não contempla o interesse concreto de boa parte do público-alvo (em São Paulo, 15.905 pessoas). Por anos nos acostumamos a criticar as pessoas que oferecem sopa. Porque o assistencialismo não é solução. E, diariamente, há quem esteja percorrendo as ruas da cidade para servir bebida quente. Quem está sendo mais humano, elas ou os representantes do poder público?
O Estadão de hoje noticia na capa: “Em meio a recorde de frio, GCM tira colchão de morador de rua”. O jornalão tem lá seus interesses políticos, e não deve estar tão preocupado (a não ser os repórteres) com a população de rua, e sim em não reeleger o prefeito Fernando Haddad. Mas se trata de um fato, relatado há tempos pelo padre Julio Lancelotti e repercutido aqui mesmo neste blog: “Haddad vai continuar tirando os cobertores da população de rua?
Claro que há um problema de escala aí. A ação de voluntários ou da Pastoral da Rua não dará conta de cada ser humano desabrigado. Mas temos também uma encruzilhada civilizatória. Filosófica. A rua é um risco e também o afago de um animal. Pode significar as mãos dadas com o companheiro, durante a noite de frio. Que sociedade é essa – representada pelo Estado – que oferece calor com uma mão e o retira com a outra?
A MÃO QUE BALANÇA O CAPITAL
Sim, como imaginar o Estado sem regras? A prefeitura alega que parte delas é acordada pelos próprios moradores. Ou seja, os albergues abrigam a fatia do povo de rua que concorda com essas regras. Mas e os demais? No limite, temos no caso dos moradores de rua um microcosmo dos limites (políticos, éticos) do Estado, da própria existência do Estado: e quem não concorda com a coerção, como fica? Qual a rota de fuga possível?
O que nos leva também ao poder econômico. Gosto do conceito de “liberdade negativa” de Jean-Paul Gaudemar. Essa suposta liberdade que a gente tem de vender a força de trabalho – para quem tem o controle sobre o capital. Uma liberdade aparente. Ou seja, não temos terra (o direito a ela nos foi usurpado) e, para sobreviver, precisamos trabalhar para terceiros. Mas não há emprego para todo mundo. E as contas não fecham.
Ou seja, nossa sociedade prevê uma legião de excluídos. Eles estão nas periferias (do campo e das cidades) e também nas ruas do centro – gritando sua existência. Curioso pensar que a prefeitura alega que está retirando os colchões do povo de rua para evitar a “privatização” do espaço público. Vejam só a ironia. “Privatização”. Como se os espaços não estivessem privatizados, para poucos. Como se o Estado realmente perseguisse (no país da grilagem) aqueles que privatizam espaços públicos.
Trata-se de uma dobradinha. Poder político e econômico promovem essa exclusão estrutural com fartas doses de cinismo e mal conseguem disfarçar (com fartas doses de higienismo) o desejo de extermínio. José Sarney e Joseph Safra são também responsáveis por aquele morador de rua que treme de frio – ainda que não necessariamente com o mesmo amor por animais ou outros seres humanos.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Revista mostra registros de pagamento a Gilmar Mendes pelo mensalão do PSDB - O tempo não perdoa.

Reportagem da  "Carta Capital" começou a circular na tarde desta sexta-feira em São Paulo

Marcelo Auler, Jornal do Brasil
27/07/2012 às 11h58 - Atualizada em 27/07/2012 às 13h04

A Revista Carta Capital que chegou às bancas de jornais de São Paulo na tarde desta sexta-feira (27) tumultuará todo o ambiente que vem sendo milimetricamente preparado para o julgamento do famoso caso do Mensalão. Ela apresenta documentos que indicariam que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, quando era Advogado Geral da União (AGU), em 1998, teria recebido R$ 185 mil do chamado Mensalão do PSDB, que foi administrado pelo publicitário Marcos Valério.

Reportagem da 'Carta Capital' com documentos levantados pelo jornalista Maurício Dias

Em um trabalho do jornalista Maurício Dias, a revista obteve o que seria a contabilidade paralela da campanha do atual senador Eduardo Azeredo, em 1998, quando ele concorreu à reeleição ao governo de Minas Gerais. As folhas, encadernadas, levam a assinatura de Valério. Alguns dos documentos têm firma reconhecida. No total, esta contabilidade administrou R$ 104,3 milhões. Houve um saldo positivo de R$ 69,53. A reportagem teve a contribuição também do repórter Leandro Fortes, que foi a Minas Gerais.

Nesta contabilidade também aparece a captação de recursos via empréstimos do Banco Rural, tal como aconteceu no chamado Mensalão do PT. Mas não foi o único banco a emprestar dinheiro para a campanha do tucano. Também contribuíram o BEMGE, Credireal, Comig, Copasa e a Loteria Mineira. No total, via empréstimos bancários, foram captados R$ 4,5 milhões, valor um pouco maior do que o registro da mais alta doação individual, feita pela Usiminas. Ela, através do próprio Eduardo Azeredo e do vice governador Walfrido Mares Guia, doou R$ 4.288.097. O banco Opportunity, através de seu dono, Daniel Dantas, e da diretora Helena Landau, pelos registros, doou R$ 460 mil.
Lista apresenta registro de suposto pagamento a Gilmar Mendes quando era advogado geral da União
Lista apresenta registro de suposto pagamento a Gilmar Mendes quando era advogado geral da União
As dez primeiras páginas do documento apresentam os doadores para a campanha. As demais 16 páginas relacionam as saídas de recursos. O registro em nome de Gilmar Ferreira Mendes surge na página 17. Procurado através da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes não retornou ao Jornal do Brasil.

Fonte: http://m.jb.com.br/informe-jb/noticias/2012/07/27/revista-mostra-registros-de-pagamento-a-gilmar-mendes-pelo-mensalao-do-psdb/

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Políticos de Londres só podem usar transporte público

Por 
Em Mobilidade
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Ao tomar posse de seus cargos, os políticos recebem vale-transporte válido para ônibus, trem e metrô e são avisados das regras oficiais da Assembleia de Londres, a ‘Câmara dos Vereadores’ da cidade britânica: “O prefeito e os membros da London Assembly têm o compromisso de usar o transporte público“.
Táxis também não são liberados. Para serem reembolsados quando optam por este tipo de serviço, os políticos precisam provar que não tinham outra opção de deslocamento para ir ao lugar que precisavam.
O prefeito Boris Johnson, no comando do governo de Londres desde 2008, é um dos que menos utiliza o serviço. Em uma bela jogada de marketing, ele aproveitou a norma que o proibia de ter um carro oficial e atrelou sua imagem à causa do cicloativismo.
Johnson é constantemente visto pelas ruas da cidade pedalando de capacete – ao vivo e também nas propagandas do programa de aluguel de bikes que ele mesmo criou para desincentivar o uso do carro para deslocamentos diários.
Ah, se as cidades do Brasil seguissem o exemplo… Íamos economizar muito dinheiro público para investir em outros setores – bem mais importantes, diga-se de passagem!
Foto: Divulgação/Prefeitura de Londres

Tem veneno no tomate, no abacaxi e até na pinga

JOãO PEDRO STÉDILE
Para líder do MST, o país precisa fazer um trabalho civilizatório de alerta à população sobre os perigos à saúde causados pelo agronegócio. 'Estão tendo lucro a peso de vidas humanas'
por Paulo Donizetti de Souza publicado 09/03/2015 11:55, última modificação 05/05/2015 16:06
GERARDO LAZZARI/RBA
Stedile
"Agricultura familiar produz 297 alimentos. Agronegócio é soja, milho, algodão, eucalipto e cana, e se diz salvador da pátria"
Nos 30 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um de seus coordenadores nacionais, o economista João Pedro Stédile, não vê mais como prosperar, no Brasil, a luta pela reforma agrária tal como conhecida nos primórdios do MST. Ele observa que no senso comum das pessoas trata-se de repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. “E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade. Porém, os projetos de reforma agrária, feitos pelo governo com os instrumentos do Estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno”, diz.
O movimento, no entanto, avalia que a questão agrária não pode se resumir ao objetivo de proporcionar trabalho para segurar as pessoas no campo. “A reforma agrária não é apenas resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade”, explica. Enfim, tem de ser base de um novo modelo de desenvolvimento, que una na mesma planilha progresso industrial e sustentabilidade.
Stédile critica a permissividade com que se prolifera no Brasil o uso de agrotóxicos já proibidos em outras partes do mundo por sua agressividade ao ambiente e à saúde. Cita pesquisas que associam o veneno agrícola ao crescimento da incidência de doenças como câncer de próstata, de mama, mal de Parkinson e a problemas de infertilidade. Alerta que, no cigarro, a má fama fica com a nicotina, "que só vicia – o que mata são os produtos químicos usados, sobretudo, no cultivo do fumo". E que a produção em larga escala de cana-de-açúcar levando o veneno também para a aguardente: “Pode largar mão de tomar pinga. No Brasil se bebe cachaça há 400 anos, mas antigamente não tinha veneno, e agora tem”.
Stédile vê o cenário político-institucional brasileiro dominado pelo poder econômico. Para ele a burguesia industrial perdeu a oportunidade de fazer um pacto de desenvolvimento porque prefere colocar dinheiro na especulação financeira. “Por isso foram contra a CPMF. Porque o dinheiro deles está no banco, não na fábrica e na produção.” Diante da hegemonia do agronegócio no Legislativo e no Judiciário, e de um governo dividido pela composição de classes em seu ministério, não está otimista: “Estamos ferrados”. Ele, aposta, porém que “a médio prazo” haverá uma nova ascensão dos movimentos de massa, como foi de 1976 a 1989, empurrada pelo agravamento das contradições da política e do capitalismo brasileiro.
A quantas anda o potencial agressivo dos alimentos que a população consome?
O modelo do agronegócio é apenas um modelo de se ganhar dinheiro. Se o único objetivo é ter lucro, não importa se vão destruir a natureza, se vão usar venenos, se desempregam pessoas. Nos últimos dez anos, apesar de termos um governo progressista, o agronegócio expulsou em torno de 4 milhões de trabalhadores assalariados. O trabalho humano foi substituído por máquinas e pelo veneno. O uso do veneno, por esse modelo, não é uma necessidade agronômica. Para se produzir não precisa veneno, que é usado como uma forma de substituir a mão de obra que antes fazia as práticas agrícolas com tempo de trabalho, por exemplo a capina, um plantio mais cuidadoso. Agora, é máquina e veneno. Primeiro, para substituir a mão de obra. Segundo, como são monoculturas em larga extensão – ou só soja, ou só laranja, ou só algodão, ou só pasto – têm de matar, na lógica deles, todas as outras formas de vida vegetal ou animal. Não praticam uma agricultura. Querem produzir uma commodity. O veneno é a forma de matarem tudo que não é soja, que não é laranja, tudo que não é algodão.
E o veneno, em si, também é um negócio.
GERARDO LAZZARI / RBAJoão-Pedro-Stédile-foto-Gerardo-lazzarirba.jpg
O economista João Pedro Stédile
Há uma aliança de interesses. A Monsanto, por exemplo, fornece fertilizantes, veneno, e compra soja. A mesma coisa a Cutrale com a laranja. A mesma empresa ganha dinheiro com veneno e controlando o mercado, que tem origem nas fórmulas desenvolvidas pela Bayer, pela Basf, pela Du Pont, para os negócios das guerras. Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial usaram muito. Depois, na Guerra do Vietnã. Quando terminaram as guerras, as fábricas de veneno pra matar gente e floresta em larga escala foram adequadas para a agricultura.
Agora não é mais em larga escala?
São as mesmas empresas. É os efeitos são de extrema gravidade. Um punhado assim de terra (junta as mãos em concha), tem mais de mil formas de vida. São aqueles bichinhos invisíveis, bactérias, que formam os nutrientes, senão a terra não produz nada. O veneno mata essas formas de vida. E contamina a água. Todas as grandes cidades do Brasil já têm água contaminada com mais de 20 princípios ativos de venenos agrícolas, inclusive em São Paulo. Essa água que a Sabesp nos fornece, que aparentemente é boa, mesmo sendo considerada potável, tem mais de 20 contaminações que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda considera tolerável porque está dispersa. Só que se tomar essa água todos os dias, aquele veneno, que é químico e não conseguimos ver, vai se acumulando no organismo e também nos alimentos. Está em doses mínimas, não vai matar na hora, mas vai se acumulando no organismo.
Como o consumidor de alimentos e dessa água pode imaginar alguma gravidade se ele, como diz o samba, "bebe sim, come sim, e está vivendo..."? Não seria um alarmismo falar que essa água e esse alimento são envenenados?
É uma necessidade da população saber o que tem naquele alimento. Em relação à água, que é mais problemático, os graus de contaminação, no Brasil, estão acima de qualquer país da Europa. Temos uma campanha nacional contra o uso do agrotóxico, da qual participam, inclusive, técnicos da Anvisa, para pressionar o governo a mudar a legislação e baixar os índices de toxidade a limites como os da Europa. E nos alimentos, a única coisa que a Anvisa faz é avisar. Fazem uma pesquisa a cada seis meses nos supermercados, só têm dois laboratórios no país que fazem, quando deveria haver um por cidade, e te avisam. Nós já estamos cansados de saber. Mas vamos avisar os leitores: os produtos que têm mais agrotóxico são o tomate, o pimentão, o morango e a maçã. Ultrapassam o tolerável. Se você está acostumado a, toda semana, comer maçã, é claro que você vai acumular mais veneno do que quem come banana. Se você está acostumado a sempre fazer a comida com pimentão, está frito, porque o pimentão vai transferir para o seu organismo um índice maior de veneno.
Mas se as pessoas não sentem os efeitos do veneno...
Aí vem a maior gravidade: os cientistas e médicos que trabalham no Instituto Nacional do Câncer (Inca) têm feito várias pesquisas e alertado que o veneno, quando se acumula no organismo, começa a atacar as células mais frágeis. É por isso que tem aumentado a incidência de alguns tipos câncer, que não têm mais relação com a idade das pessoas. Você pode ter câncer de próstata com 40 anos. Tem mulheres com 20, 30 anos, com câncer de mama. Por quê? Veneno. O professor Wanderlei Pignatti, da Universidade Federal do Mato Grosso, pesquisou durante dez anos mulheres de uma região do estado e encontrou resíduos de glifosato no leite materno. As mães que achavam que estavam dando o melhor alimento do mundo não sabiam que através do alimento que comiam concentravam também o veneno absorvido no leite; e as crianças, ainda bebês, estavam recebendo suas primeiras doses.
Esse mesmo professor fez outra pesquisa também muito interessante. Há um secante que é passado na soja, para uniformizar seu amadurecimento, porque na natureza não amadurece tudo ao mesmo tempo. Como querem usar a máquina, então têm de entrar quando todas estiverem maduras. Passam então um veneno, a base de glifosato, o chamado secante, que na verdade “mata” toda a soja. Aí vem a máquina e toda a soja está seca. Ao matar a soja, aquele veneno não é mais absorvido pelo grão. Vai para a natureza. Sobe como pó e, conforme o vento, vai para qualquer parte. Açude, horta, serra, qualquer lugar. Porém, esse professor fez uma pesquisa da maior gravidade, no Mato Grosso, onde chove muito: o veneno voltava com a chuva. De novo, a ação humana. Como no Mato Grosso chove por seis meses, no período de chuva guardam água nas cacimbas, nas cisternas. Aquela água da chuva já vinha com altas doses de glifosato. Na Europa e algumas no Brasil, estão fazendo correlações de incidência do glifosato não só com câncer, mas com outras enfermidades.
Por exemplo?
Há pesquisas científicas na Europa comprovando que pessoas que comem alimentos com índices exagerados de glifosato, que é o veneno mais disseminado, já apresentam baixa fertilidade. Os casais começam a não ter filhos e aí um a põe a culpa no outro, quando na verdade a culpa é do veneno. Também foram feitas pesquisas nos Estados Unidos em regiões onde o mal de Parkinson era mais incidente, e a relação que foi encontrada foi justamente essa. As pessoas tinham se contaminado, com os alimentos ou expostas ao veneno usado na agricultura, e desenvolveram maior propensão ao Parkinson.
Ainda assim, o uso dos agrotóxicos não incomoda as pessoas.
Essa questão me provoca, pois nós, como movimento social e como esquerda em geral, temos de fazer um trabalho civilizatório em alertar a população: é um verdadeiro crime o que está acontecendo por conta do agronegócio. Eles estão tendo lucro a peso de vidas humanas. O Inca advertiu que, a cada ano, surgem 500 mil novos casos de câncer, no Brasil. Grande parte deles vem do uso de venenos agrícolas. Mesmo as duas causas aparentes maiores, o tabaco e o álcool, no caso brasileiro: por que que tem uma incidência maior de câncer no tabaco? Porque para se produzir o tabaco, no Brasil, vão 30 tratamentos de veneno por ano. Aquele veneno vai para a folha e, depois, você aspira, da pior forma, vaporizado. É um veneno que vai direto para a sua garganta e o seu pulmão. Por isso que tem tanto câncer. A fama ruim do cigarro é a nicotina, mas a nicotina não causa câncer. Ela vicia. O veneno está no tabaco. A mesma coisa vale para a cachaça.
Mesmo na região de Salinas, por exemplo?
Sobre Salinas vou absolvê-la, porque conheço a região do norte de Minas e, de fato, a cana-de-açúcar dali, além de estar num microclima e compor uma variedade que só dá lá, produz uma cachaça muito gostosa, lá não usam veneno, pois são tudo pequenas propriedades. Já em São Paulo, toda a cana-de-açúcar é cultivada com altas doses de veneno. Você, que é peão e está acostumado, pode largar mão de tomar cachaça. A cana tem veneno, vai para o alambique, a destilaria, quando se retira o mosto fica a essência, transformada em álcool, junto com o veneno. Ao se tomar a pinga com frequência vai absorvendo. Por isso que tem aparecido câncer entre os alcoólatras. Não é a cachaça o mal pior. Toma-se cachaça há 400 anos no Brasil e antigamente não tinha veneno, agora tem.
As organizações do movimento social rural, como MST, Via Campesina, têm conseguido ampliar a cultura do orgânico nos assentamentos? Existe um projeto para fazer com que cresça uma agroindústria baseada em produtos agrícolas familiares saudáveis?
Acho que é uma longa caminhada que envolve muitos fatores, por isso não é fácil mudar do dia para a noite. Até oito anos atrás, ou até o Lula ganhar as eleições, não havia nenhuma faculdade que ensinasse agroecologia, o agrônomo não sabia como produzir com outras técnicas, na faculdade só se falava em adubo químico e veneno. De oito anos para cá já estamos tendo cursos de agronomia baseados na agroecologia. Olha que demorado. Tem de formar os agrônomos, para que comecem a dar aulas para outros agrônomos e multiplicar o conhecimento, que é universal, das técnicas de agroecologia. Tivemos a sorte de ter aqui no Brasil a maior cientista da agroecologia de solos, que é a professora Ana Maria Primavesi, que tem 92 anos e produziu o conhecimento científico que embasa isso. Estudou profundamente a natureza do solo. Depois, tivemos de levar esse conhecimento para os agricultores e provar para eles que era possível produzir sem veneno. O terceiro campo é convencer o governo, que também é ignorante. Reflete a sociedade. Pela primeira vez, no ano passado – e teve de ser em nível da Secretaria-Geral da Presidência, porque nem o ministério da Agricultura nem o do Desenvolvimento Agrário quiseram se envolver – criamos o primeiro plano nacional de agroecologia, para fomentar o conhecimento.
Com a Embrapa, dá para contar?
Na Embrapa, eles foram muito espertos. Porém, tem duas ou três unidades da Embrapa onde se concentram os agrônomos de maior consciência, que centram as pesquisas em agroecologia. Mas de todas as pesquisas que estão fazendo na Embrapa, 80% interessa ao agronegócio e 20% à agricultura familiar. Esse é o quadro da Embrapa, e reflete um pouco na sociedade. Nosso esforço de anos recentes é fazer com que o governo tenha um olhar mais atencioso para a merenda escolar.
As compras públicas seriam um canal para estimular essa produção?
Exatamente. Agora, conseguimos estabelecer em lei que 30%, no mínimo, de toda a merenda escolar, no Brasil, que é financiado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Ministério da Educação, e vai para as prefeituras, venha da agricultura familiar.
Só 30%? Ainda sobra muito espaço para o Toddynho e o salgadinho...
Ainda sobra muito. Mas também estamos produzindo o Terrinha, que é concorrente do Toddynho, com leite e chocolate sem veneno. Então, é um esforço muito grande... Aqui mesmo, na prefeitura de São Paulo, até a entrada do Fernando Haddad, o anterior se fazia de sonso: “Como não tem agricultura familiar na cidade de São Paulo, não sou obrigado a comprar”. Mas a lei não diz que tem de ser do município. Diz que é da agricultura familiar. Agora, com vontade política da prefeitura, as mais de 3 mil escolas respeitam a lei e no mínimo 30% da merenda sai da agricultura familiar. Outro movimento que estamos fazendo, em todo o Brasil: há uma proliferação de feiras agroecológicas. Todas as cidades do Brasil já têm. Algumas de maneira permanente, como a feira da Água Branca (São Paulo), em outras cidades fazemos em temporadas.
E fora dos grandes centros, como está o escoamento?
No Nordeste tem muitas feiras agroecológicas. O trabalho que estamos fazendo é hercúleo, mas necessário e, sobretudo, humanista. Ao produzir alimentos saudáveis, estamos salvando uma parte do povo brasileiro. No fim de semana de carnaval fui à Paraíba, por conta das celebrações do aniversário da Elizabete Teixeira, uma das grandes lideranças ainda viva das Ligas Camponesas, que fez 90 anos. Era também a comemoração dos 100 anos que faria o Francisco Julião, se estivesse vivo, e de 60 anos das Ligas. Aproveitei e andei na região de Campina Grande, visitando agricultores e experiências de agroecologia. Um agrônomo do sindicato local me disse: “Olha, há 15 anos Campina Grande e arredores tinham o maior índice de câncer da Paraíba”. De 15 anos para cá, com a assessoria da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa, programa da ONG Fase), eles treinaram agricultores e hoje, nos 20 municípios da região de Campina Grande não se usa mais veneno, porque lá é uma base só de agricultura familiar. Praticamente eliminaram o veneno. Disseram que não têm estatísticas, mas que praticamente desapareceu o câncer no meio rural, pelo que se registra nos hospitais. Isso é uma vitória fantástica. Começou salvando a vida dos agricultores, que é o primeiro a ser atingido pelo veneno, depois o consumidor, que não vai mais receber as doses diárias de veneno e só se dava conta no hospital.
Há uma perspectiva otimista de que a agricultura familiar possa crescer e disputar com o agronegócio um espaço maior, sobretudo nessas regiões em que o crescimento está se dando de maneira descentralizada?
Não tenho dúvida nenhuma. O chamado mercado dos produtos saudáveis, orgânicos ou agroecológicos cresce em torno de 10%, ao ano. Por outro lado, a população se dá conta de que não é mais caro de se produzir na forma da agroecologia. Como é que ela está se dando conta? Porque estão surgindo mais feiras, então o preço é melhor, e isso está quebrando o monopólio dos supermercados. O que o Pão de Açúcar fazia, e ainda faz? Compra o produto orgânico dos pequenos agricultores, inclusive organizando centrais, onde o pequeno agricultor entrega e eles só lavam e colocam naquelas caixinhas padronizadas; porém, como sabe que o produto orgânico chega numa pessoa que tem mais consciência, classe média, aumenta o preço, para ter lucro máximo, em cima da disposição da classe média de pagar um pouco mais por um produto que tem o selo de garantia. Essa máscara está caindo, porque mais produtos estão chegando ao mercado, às feiras, e as pessoas começam a comparar: por que um quilo de tomate orgânico no Pão de Açúcar custa R$ 14 e na feirinha da Água Branca custa R$ 7?
As pessoas consomem orgânicos por consciência, ou estaria virando “grife”?
É perceptível em todas as regiões que aumentou a consciência da população, tanto pelos casos de saúde na família quanto pelo aumento da informação. Há muita informação que agora circula pela internet e que há dez anos não se tinha. O próximo passo é nós, como movimento social, nessa campanha contra os agrotóxicos, começarmos a buscar barreiras legais ao uso do veneno, coisa que a Europa já vem fazendo. Em toda a Europa é proibido usar pulverização aérea. Aqui é um festival, 60% dos venenos são passados com avião. Dois anos atrás, chegaram a “bombardear” uma escola, enquanto as crianças brincavam no pátio. Foram hospitalizadas mais de 200, porque aspiraram imediatamente. Foi em Rio Verde, Goiás. Um crime. A pulverização aérea nós temos que proibir, porque ela fica no espaço, no ar, no alimento, na água e mata tudo o quanto é ser vivo que existir. Toda a Europa já proibiu.
Essa proibição, enquanto não acontece por lei federal, não poderia ir sendo alcançada por leis municipais ou estaduais?
Nós tivemos alguns municípios que proibiram, como São Gabriel da Palha, no Espírito Santo. Havia uma grande propriedade de café, e o dono pulverizava veneno e todos os pequenos agricultores da região sofriam as consequências. Os pequenos fizeram um movimento, motivaram a Câmara, e proibiram. Nós estamos numa campanha cujo lema é “Banimento dos venenos que já foram banidos em outros países”. Porque determinados países proíbem o veneno e o que eles fazem? Trazem para cá. Se um país da Europa proibiu, é porque eles tiveram mais consciência e mais pesquisa para dizer que o veneno é mesmo perigoso. Há uma lista de mais de 20 desses venenos que ainda circulam no Brasil. O glifosato, princípio químico da maior parte dos venenos que se aplicam no Brasil, feito por uma fábrica da Monsanto no polo petroquímico de Camaçari (BA), já foi proibido na Holanda e na Bélgica.
Outra medida que é urgente: tributação. Sobre a água da Sabesp incide imposto, está lá na conta; ou se você comprar da Coca-Cola, ou da Nestlé, paga 17% de IPI. O leite paga imposto, o café paga imposto. Tudo paga. Ou IPI, ou ICMS, ou os dois. Mas os venenos estão isentos de impostos, no Brasil. Qual é a lei que determinou a isenção do ICMS para veneno agrícola? Nós fomos procurar saber. Na época do Fernando Henrique, década de 1990, fizeram uma reunião de secretários estaduais da Fazenda e, como tinham hegemonia nos estados, junto com o secretário do Tesouro, fizeram uma ata renunciando à cobrança de ICMS sobre o veneno. Mais influência das multinacionais do que isso? Tem que ir lá, de estado em estado, dizer que essa lei é fajuta. Ninguém aprovou. Esses secretários não tinham mandato para isso. É preciso que as assembleias legislativas tomem para si essa responsabilidade e voltem a cobrar o ICMS dos venenos, para que pelo menos a sociedade recupere um pouco dos recursos para gastar com saúde, já que as fábricas têm um lucro fantástico.
Como acontece com tabaco e bebidas?
Quem sabe, no futuro, consigamos o que na indústria tabagista já se conseguiu em outros países. Se se comprovar que a causa do câncer do cidadão foi o veneno agrícola, quem tem que pagar o tratamento é a Bayer, a Basf, a Monsanto, quem fez o veneno. Assim como nos Estados Unidos já fazem em relação ao tabaco. Se você comprovar que o teu câncer é por causa do tabaco, a empresa que fabricou o tabaco vai ter que pagar o seu tratamento, e não a sociedade. Mas isso seria um sonho. Espero, também, nessa mesma política, que as prefeituras nos ajudem a produzir material para esclarecer as crianças e os professores dos perigos disso, para começarmos lá na base e elas mesmas, as crianças, recusarem. Por exemplo, quando ela compra uma batata frita, ela perguntou quanto veneno tem na batata? E ela começa a comer batata frita no recreio.
Na cantina ela compra batata frita, refrigerante, suco de caixinha, coxinha...
Tudo o que há de pior. Por exemplo, o abacaxi é uma das frutas que mais utiliza veneno, depois que começou a ser produzido em escala pelo agronegócio em grande propriedade. Quando era o pequeno agricultor, ele tinha meio hectare de abacaxi, porque dá muito trabalho, então ele cuidava de meio hectare. E, na medida em que ia amadurecendo, colhia. Agora não. Eles amadurecem na marra, com veneno. Vão colocando já na flor do abacaxi. O veneno cai em conta-gotas, para amadurecer tudo igual. Quando se vai comer um abacaxi, já vem a dose de veneno, que vai para o suco, e assim por diante. Além do que a maioria desses sucos de caixinha, para ele sobreviver dentro da caixinha, vai conservante. Conservante também é um veneno, porque é para matar os fungos e as bactérias. O que nós, como movimento da agricultura familiar e da agroecologia, dizemos: tem de se abandonar as embalagens de plástico e voltar para o vidro. E cadê as fábricas de vidro? Não tem, porque só duas fábricas multinacionais, no Brasil, fazem vidro, e a produção prioriza o automóvel e a construção civil. Quando a nossa cooperativinha tenta encomendar mil frascos para geleia natural, não tem.
As cooperativas todas não têm condições de criar demanda para essa indústria?
Claro que tem. Lá no Uruguai, na época do neoliberalismo, houve uma greve da única fábrica de vidro do país, uma multinacional espanhola. Na fábrica, para transformar areia em vidro, precisa de mais de mil graus de temperatura. O forno não pode desligar. E os operários fizeram a greve e desligaram o forno. O capitalista ficou puto, pegou o seu capital, voltou para a Espanha e fechou a fábrica. Os operários, que só sabiam fazer vidro, o que fizeram? Fizeram uma assembleia e religaram o forno, transformaram numa cooperativa e está lá, funcionando. Quando começamos a ter problemas, fomos comprar vidro do Uruguai. E nos perguntaram por que não montávamos uma fábrica. Então, ajudaram com um projeto e vão nos dar assessoria, tomara que o BNDES financie, para montarmos uma fábrica e começarmos a fazer vidro destinado às cooperativas que produzem alimentos. O negócio é demorado, mas esse é o caminho em todo o mundo.
A reforma agrária parou no Brasil? Continua? Está aquém do que precisa? Em termos práticos e teóricos, em que pé que está?
No senso comum das pessoas, se perguntar o que é a reforma agrária, todo mundo tem na cabeça que é repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade, sinônimo de latifúndio. Só a (ministra da Agricultura) Kátia Abreu não sabe, porque ela estudou psicologia. Se tivesse estudado português, saberia que latifúndio é sinônimo de grande propriedade. Ela diz que não tem mais latifúndio, no Brasil, embora ela mesma tenha 3 mil hectares. É latifundiária sem saber. Porém, os projetos de reforma agrária, feitos pelo governo com os instrumentos do estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno.
Aquele país "comunista", os Estados Unidos, começou assim.
Só viraram ricos por causa disso, com a lei de reforma agrária que fizeram em 1872, quando o norte, industrial, fez guerra contra o sul, latifundiário e escravista, e ganhou. Distribuíram terra para todo mundo, 64 hectares, nem mais, nem menos. Essa foi a sabedoria do presidente Abraham Lincoln, que escreveu a lei de reforma agrária. Toda família americana, tinha, por lei, direito a 64 hectares. E mais: era autoaplicável. Não precisava o "Incra" ir lá. Depois de comprovar que morava há cinco anos em cima daquela terra, para o trabalho, ia ao cartório com dois vizinhos de testemunha e o governo concedia o título. Isso foi a base para os Estados Unidos virarem a maior potência industrial do mundo. Coincidência ou não, 64 hectares é mais ou menos a escala ideal para um trator médio trabalhar. Em poucas décadas de reforma agrária, em 1920, os agricultores americanos tinham 900 mil tratores. Sabe quantos temos na agricultura brasileira? Cem anos de industrialização, no Brasil, produziram apenas 880 mil tratores. Aquela reforma agrária só se viabilizou porque foi casada com um projeto de desenvolvimento da indústria, porque transformava o camponês pobre e sem-terra em um produtor de mercadorias e consumidor da indústria.
E nunca chegamos perto disso aqui?
Aqui no Brasil, o projeto que chegou mais próximo dessa reforma agrária foi com o Celso Furtado, em 1964. Ele foi sábio. Disse “vamos desapropriar todas as propriedades acima de 500 hectares”. Com isso, estabelecia um limite. Pra que se quer 100 mil hectares, ou 300 mil, como tem o (senador) Blairo Maggi? É absurdo. Porém, não em qualquer lugar. O projeto do Celso Furtado era desapropriar essas áreas, acima de 500 hectares, ao longo das rodovias federais, 10 quilômetros de cada lado, para o camponês ficar perto do asfalto e perto das cidades. Assim, ele ia ter luz elétrica rápido e, atrás da luz elétrica, viria a geladeira, o fogão, a televisão, o ferro elétrico. Ou seja, a indústria chegaria lá. Qual foi o resultado dessa proposta do Celso Furtado? O golpe militar. Depois, na redemocratização, o José Gomes da Silva, nosso amigo, que era da equipe do Lula e pai do José Graziano, hoje presidente da FAO, tentou recuperar essa ideia e fez um projeto que previa o assentamento de 1 milhão e 400 mil famílias. Ele entregou o projeto em 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, e o Sarney o demitiu no dia 13. Durou nove dias esse projeto de reforma agrária. A pergunta subsequente é...
Por que o Lula não fez a reforma agrária?
Na generosidade dele, acredito que ele até queria. Por que a reforma agrária está bloqueada até agora? Porque falta ao Brasil um projeto de desenvolvimento nacional e industrial. Ao contrário, a indústria vem diminuindo. Na década de 80, a indústria pesava 50% do PIB, hoje é 16%. Não se pode fazer uma reforma agrária em que é só dividir a terra, sem estar casada com um projeto de desenvolvimento nacional. Como nos falta um projeto, falta também uma burguesia industrial disposta a bancar esse projeto. Os camponeses, sozinhos, 10% ou 15% da população, não têm forças políticas para impor. Não há condições políticas, atualmente, no Brasil, para fazermos aquela reforma agrária clássica. Eu fui dar palestra na Fiesp e disse: “Vocês são burros! Estamos querendo fazer parcerias com vocês para desenvolver a indústria, a agroindústria, mas vocês não querem. Querem ganhar dinheiro com juros.” Era na época em que eles faziam a campanha para acabar com a CPMF. Por que queriam acabar com a CPMF? Porque o dinheiro deles estava no banco, e não nas fábricas.
Não vale mais a pena lutar pela reforma agrária?
O que nós dissemos, depois de muitas reflexões, nos últimos anos é que agora a reforma agrária mudou de tipo. Que tipo de reforma nós temos de fazer? Um outro tipo, que nós chamamos de popular. Centrada na produção de alimentos saudáveis. A outra reforma agrária estava baseada na palavra de ordem que os camponeses gritavam, na América Latina inteira: “Terra para quem nela trabalha”, que o (Emiliano) Zapata inventou. Hoje não tem sentido fazer uma reforma agrária só porque o camponês precisa trabalhar, até porque ele te diz que pode trabalhar de pedreiro e ganhar mais. A reforma agrária não é apenas para resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade. Por que está faltando água em São Paulo? É por que o (governador Geraldo) Alckmin não fez investimentos e privatizou a Sabesp? É, mas não é só por isso. É porque os mananciais que abasteciam o Cantareira, lá em cima do morro, secaram. E o que faz encher um açude, em qualquer parte do Brasil, são as fontes, córregos e nascentes.
Por que secaram?
Por causa de uma agricultura predadora, baseada no monocultivo e no veneno. Olhem ao redor da Cantareira. Ou tem eucalipto, que suga 60 litros de água por dia, ou não tem nada. Ou, virou monocultivo de cana. Essa prática do agronegócio está afetando a vida das pessoas, inclusive nas cidades, seja pelo alimento contaminado, seja pelo desequilíbrio climático, por conta das práticas agrícolas. Então, temos de repartir melhor a terra para aplicar um outro modelo de agricultura, que seja em equilíbrio com a natureza, que não altere as chuvas, que não altere o clima. Que plante árvores. As árvores caem em São Paulo por causa do vento, não porque estão velhas. Uma árvore dura a vida inteira. E por que o vento, aqui, é mais forte? Porque já não encontra mais resistência nas imediações de São Paulo, então vem com um velocidade enorme e derruba. Nós temos de fazer uma reforma agrária que refloreste o país, porque a árvore é uma fonte de vida perene. Depois que se planta uma árvore, ela fica uma vida inteira. Se for uma árvore frutífera, em todo ano ela te dará alimento. O agronegócio vai reflorestar o país? Imagina...
Ninguém mais quer viver no interior, igual ao Jeca Tatu. Como se leva comodidades para o interior?
Leva com a agroecologia, que são técnicas que fazem com que se aumente a produção, com menos esforço físico. Leva com a agroindústria. Ou seja, em vez de o agricultor vender o leite in natura para a Nestlé e receber R$ 0,55, para depois ver, no supermercado, o mesmo leite, agora com água e mais conservante, a R$ 2, como se leva esse lucro para o agricultor? Isso é possível? É. Nós temos uma cooperativa, em Paranacity, no norte do Paraná, em que 36 famílias produzem tudo coletivamente. Produzem o leite orgânico. Cuidam das vacas, com pasto sem veneno, plantam cana para as vacas comerem. Produzem todo o leite necessário para o município, e todo dia de manhã pasteurizam o leite e levam aos mercados, padarias e escolas. 36 famílias alimentam 10 mil pessoas com leite, e vendem a R$ 1. Ganham o dobro, o consumidor paga a metade e percebe a diferença. Esse é o nosso novo modelo. Uma reforma agrária popular que não interessa só aos camponeses. Interessa a toda população, através dos alimentos, da pureza e da disseminação da agroindústria, pequenas agroindústrias por todo o país.
Tem espaço para isso na política? Vontade política basta para isso? Ou a mentalidade do poder econômico, no Brasil, ainda está muito atrasada? Congresso, Judiciário...
Na política atual, nós estamos ferrados. Na política atual, quem tem a hegemonia é o agronegócio, com a bancada ruralista no Congresso, com seus juízes, a maioria casados com filhas dos latifundiários, e com um governo dividido. Temos o Patrus Ananias, que é de esquerda, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, e a Katia Abreu, da direita, na Agricultura. Como é que o governo chega a uma conclusão, se tem no ministério uma composição de classes? Qual é a nossa esperança? É que os problemas vão se acumulando, na sociedade brasileira. As contradições estão aí para buscarmos as verdadeiras soluções. Por mais que a mídia falsifique a realidade, a médio prazo, temos de apostar na inteligência humana e que as pessoas vão se dar conta de onde está a verdade. Nós apostamos que, a médio prazo também, haverá uma reascensão dos movimentos de massa, no Brasil, como foi de 1976 a 1989.
É comum os líderes do agronegócio alegarem que se não fosse por eles, inclusive com a produção de “defensivos agrícolas”, não seria possível alimentar a grande massa de gente que se tem hoje, não só no Brasil como no Mundo.
No Brasil, apesar de nós termos 360 milhões de hectares de propriedade privada que são agricultáveis, e já têm dono, só se cultivam 64 milhões de hectares. O absurdo começa aí. Por que se cultiva tão pouco? Porque está monopolizado. Nesses 64 milhões de hectares que se cultiva, 15 milhões são agricultura familiar, o restante é agronegócio. O que se planta nesses 50 milhões de hectares e, portanto, que dizem salvar o Brasil? Plantam soja e milho, combinados, plantam algodão, eucalipto e cana-de-açúcar. Note se na sua mesa você vai encontrar esses produtos. Vai ter óleo de soja, uma fritura. O que mais? Ou seja, a maior parte da produção não tem nada a ver com a cesta alimentar. Vai lá na Conab (Companhia Nacional do Abastecimento). Nosso sonho é transformar a Conab em uma grande empresa estatal. A Conab está comprando hoje, produzidos nesses 15 milhões de hectares da agricultura familiar, 297 tipos diferentes de alimentos. Esses são os que alimentam o povo. Aí você encontra o arroz, o feijão, as frutas, o leite, a carne. A carne de frango é fornecida pelo frigorífico, mas quem cuida do frango? É o pequeno agricultor. A carne de porco, a mesma coisa. A agricultura familiar produz 297 alimentos. O agronegócio produz isso aí: soja, milho, algodão, eucalipto e cana, e se diz salvador da pátria. Agricultura pesa 11% no PIB, mas dizem que "carregam" a economia. É para isso que existe a Globo.
Mas eles reclamam que o governo dá as costas para eles.
Esses 50 milhões de hectares, que geran os 11% do PIB, são financiados, todos os anos, com algo em torno de R$ 160 bilhões. De onde vêm esses R$ 160 bilhões, já que dizem que carregam o Brasil nas costas? Sabe de onde vem? O governo obriga que 40% dos depósitos à vista sejam destinados ao agronegócio, ao financiamento da agricultura. Portanto, quem está financiando a agricultura são os correntistas de depósitos à vista, que não recebem nada. Aí o fazendeiro pega R$ 1 milhão para plantar soja. O governo ainda combina com ele. O banco diz: “Não vou emprestar para esse cara. No comércio, recebo 48% de juros. Por que vou emprestar a 12%?”. Então, o governo faz mais um acerto: pega do Tesouro e paga para o banco mais 12%. O Tesouro nacional – ou seja, todos nós – gasta todos os anos 12% sobre esses R$ 160 bilhões. Então, quem é que está carregando o Brasil?